11 de dez. de 2009

EU.

Chego à última estação. Nas mãos uma mala vazia, pronta pra carregar o caminho dentro dela. No único bolso da saia comprida há um maço de cigarros, uma caneta azul e outra vermelha. Há também um pequeno bloco de notas. Mesmo sem saber, uma das folhas carrega uma pétala seca de uma flor antiga. Sinto os olhos embaçados. O pó que sobe dos trilhos se mistura com as lágrimas já sólidas que insistem em permanecer presas a mim. Estou só. Não há música, nem conversas inoportunas. Não há choro de criança. Levo comigo apenas uma trilha sonora. A voz conhecida da minha mãe dizendo pra ter cuidado. Que ela, assim como o meu pai, estariam ansiosos esperando a minha volta. Olho pra trás e te vejo me abanando. Reconheço tua estatura, mas não enxergo os teus olhos. Estão umedecidos do vento que corta o ambiente. O silencio perturbador é interrompido pelo barulho do trem. Sinto as mãos geladas. O peito apertado da espera angustia o coração. As portas abrem. Não há ninguém lá dentro. Ninguém pra me puxar, nem pra me dizer se a viagem será longa ou dolorida. Tu te aproxima e estende a mão. Quase largo a mala no chão pra me atirar nos teus braços. Vejo mais uma vez o interior do vagão vazio. Quando te procuro de volta não há mais nada. Sinto que é a hora e que nada mais pode ser feito. Um pé atrás do outro. Me sento perto da janela pra que a sensação claustrofobica de entrar pra dentro de mim seja amenizada. O motor é ligado e consigo sentir as rodas dando as primeiras movimentadas. A plataforma, antes cinzenta e solitária, se modifica. Estão todos ali. Todos me acenam felizes. Até o teu olhar ta feliz. Aperto a mala contra o peito e já a sinto mais pesada. O trem toma velocidade e eu me afogo em um choro compulsivo. Choro de liberdade. Eu me libertando de mim mesma. As minhas mãos aquecem e o coração acalma. E não é que é apenas o inicio...


fera ferida.

Eu vou te contar que você não me conhece
E eu tenho que gritar isso
Porque você está surdo e não me ouve
A sedução me escraviza a você
Ao fim de tudo você permanece comigo
Mas preso ao que eu criei e não amei
E não a mim
E quanto mais falo sobre a verdade inteira
Um abismo maior nos separa
Você não tem um nome e eu tenho
Você é rosto na multidão
E eu sou o centro das atenções
Mas há mentira na aparência do que eu sou
E há mentira na aparência do que você é
Porque eu não sou o meu nome
E você não é ninguém
O jogo perigoso que eu pratico aqui
Busca chegar no limite possível de aproximação
Através da aceitação da distância
Ou do reconhecimento dela
Entre eu e você
Existe a notícia que nos separa
Eu quero que você me veja nu
Eu me dispo da notícia
E a minha nudez parada
Me denuncia e te espelha
Eu me dilato
Tu me relatas
Eu nos acuso e confesso por nós
Assim me livro das palavras
Com a as quais você me veste.

[Fauzi Arap]


8 de dez. de 2009

Caio F.

Não vamos enlouquecer, nem nos matar, nem desistir. Pelo contrário: vamos ficar ótimos e incomodar bastante ainda.

Só é forte quem consegue se mostrar fraco.



6 de dez. de 2009

hematomas. parte II.

João largou a cachaça. Largou não. Trocou o vicio alcoólico por pacotes de bibs de banana. Passou a prestar atenção na família. Doou sua coleção de antiguidades a uma creche de crianças carentes. Dormia cedo e acordava cedo. Ao menos tentava. Seguidas manhãs ele se perdia pelos lençóis de Raquel. Esta, quando despertava do sono, cheirava toda a parte da cama que recebera o corpo de João. Trepava pelo nariz. Satisfazia-se só com a lembrança dos dois ali.

Quando mais tarde se encontravam, dividiam suas peculiaridades. Não era mais apenas o sexo desprotegido e violento que prendia os dois. Havia algo novo. Algo que nenhum dos dois jamais havia experimentado. Aprenderam a lidar com o tempo e com o cotidiano. Descontruiram tudo. As paisagens, o romantismo, a tpm.

Raquel passou a beber mais e a fumar. João começou a se achar gordo. Acabaram por trocar as casas, as malas e os sonhos. Descobriram novas brincadeiras, experimentaram novas posições para que Raquel gozasse, juraram fidelidade diária. Secretamente, ele fingia dormir, apenas pra ficar mais tempo olhando pros cabelos dela, sempre cheirosos, abraçados no travesseiro. Ela, por sua vez, gostava de raspar as unhas sobre as costas nuas dele. Escrevia nelas tudo o que queria dizer e não tinha coragem.

Os dois aprenderam a não discutir. O silencio era confortante. A fala depois do vácuo, o beijo depois da distancia e o abraço depois do choro, fazia cada segundo valer a pena.

Na cama? Bom, acho que já falei.

Eram dois despudorados.

1 de dez. de 2009

Leminski`s do dia. Ou da noite.

a noite - enorme
tudo dorme
menos teu nome.





Apagar-me
diluir-me
desmanchar-me
até que depois
de mim
de nós
de tudo
não reste mais
que o charme.